Egressa da Ufam vence nona edição do Prêmio Rosa Kliass na categoria Projeto da Paisagem
A egressa do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Nicoly Silva Caldeira, dia 6 de novembro, foi premiada no 9º Prêmio Rosa Kliass, ligado a Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas (ABAP), com o trabalho “Da beira ao rio: a borda como elemento integrador dos territórios da cidade de Tapauá (AM)”, na categoria Projeto da Paisagem. O projeto é fruto do seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) e foi orientado pelo docente Rodrigo Capelato.
A pesquisa propõe a requalificação da borda fluvial de água como elemento estruturador e integrador entre cidade e rio, transformando um espaço marginalizado em eixo de convivência e identidade urbana. Valoriza a paisagem amazônica e seus modos de vida articulando mobilidade, vegetação nativa e espaços públicos contínuos, entendendo a água e a borda como matriz ecológica, social e cultural da cidade. De acordo com Nicoly Silva Caldeira, a iniciativa é uma contribuição para o debate prático sobre a produção de um espaço urbano mais resiliente e inclusivo no contexto amazônico, a partir de soluções técnicas que tem como base os conhecimentos ancestrais e locais.
“Ter a oportunidade de receber o Prêmio nos dá a possibilidade de expandir tal debate para que ganhe novos horizontes e desdobramentos. Vamos até uma pequena cidade do baixo Rio Purus, afluente do Rio Solimões, em meio à Floresta Amazônica, chamada "Tapauá". A ocupação da região pelos colonos deu-se de forma "tardia" em relação a outras regiões do Brasil, porém, devido a ciclos econômicos exploratórios e privilégios políticos, o processo de urbanização foi acelerado e desigual, nos apresentando cenários urbanos complexos em cidades e povoados em processo de expansão às margens dos rios amazônicos. Em Tapauá, a vida em terra firme coexiste com a vida flutuante, por meio do chamado "Bairro Flutuante" - uma comunidade sobre as águas do Rio Purus e Ipixuna -, demonstrando diferentes modos de viver na mesma cidade. Assim, investigamos tal relação "rio x terra" no espaço de "beira" do rio, que revelou-se um elemento intermediário entre dinâmicas distintas marcado pela segregação socioespacial, uma vez que o Bairro Flutuante não usufrui de diversas infraestruturas urbanas básicas, desde estruturas de mobilidade urbana a sistemas de saneamento básico. Ao fim, ensaiamos um projeto que propõe um sistema de passarelas flutuantes nesse espaço de "beira" que otimiza a mobilidade 'rio x terra' e une objetos arquitetônicos e paisagísticos propostos ao longo da mesma”, detalhou a premiada.
O professor da Ufam e orientador do trabalho, Rodrigo Capelato, destacou que receber o prêmio é especialmente engrandecedor, pois o planejamento da paisagem é uma vertente complexa dentro das atribuições do arquiteto e urbanista. “Ter o reconhecimento da Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas (ABAP), por meio de um dos nossos TCC, nos deixa extremamente felizes e esperançosos, demonstrando que estamos em um caminho profícuo para o fortalecimento do planejamento da paisagem no Brasil. Para nós, é um orgulho imenso. Ver o trabalho da Nicoly reconhecido e premiado entre tantos outros projetos inscritos sinaliza uma série de desdobramentos importantes. Isso nos leva a pensar no tema como um incentivo para novos estudantes que irão desenvolver seus trabalhos finais de graduação, estimulando-os a considerar o planejamento da paisagem como uma possibilidade concreta de atuação. Do ponto de vista acadêmico, o prêmio amplia a importância de orientar nossos alunos a refletirem sobre situações reais, especialmente na região amazônica”, destacou o orientador.
Conheça o Projeto
Nicoly Silva Caldeira explicou que partiu do macro para o micro para compreender a complexidade do território tapauense, que desdobra-se em terras riquíssimas cultural e ambientalmente, uma vez que é demarcado por terras indígenas e unidades de conservação. “Investigou-se desde o processo de "povoamento" e urbanização da Bacia do Purus até as dinâmicas específicas do espaço de "beira" do rio e adjacências imediatas dentro do perímetro estudado por meio de análise urbana e diagnóstico. A viagem de barco à cidade foi fundamental para a leitura do território, pois o processo de observação e percepção in loco foi essencial para solidificarmos as problemáticas a serem abordadas no trabalho. A escassez de dados e informações atualizados de domínio público, incluindo acervo local da cidade e estudos científicos a respeito da mesma, assim como o estigma social a que a população flutuante é submetida por uma parcela da comunidade de terra firme, culturalmente distanciada dos modos de vida sobre as águas, foram os principais desafios enfrentados durante o processo de pesquisa”, enfatizou.
A pesquisadora falou também da dificuldade de responder às problemáticas sociais, buscando soluções técnicas para atender à sazonalidade dos rios e aos atuais eventos climáticos extremos. “A evidente fragilidade ambiental do espaço de borda estudado fez com que processos erosivos tornem-se mais frequentes, acelerando o fenômeno de “terras caídas” típico de rios de "água branca". Dessa forma, buscando minimizar a descaracterização dessa paisagem de borda, propomos o mínimo de movimentação de terras possível, implementando um paisagismo regenerativo que prioriza o plantio de espécies vegetais nativas, desde árvores a pequenas plantas aquáticas, retardando processos erosivos e contribuindo para o enriquecimento do ecossistema local. O rio, em seus diferentes níveis ao longo do ano, e a topografia ditaram o desenho e as soluções técnicas desenvolvidas no trabalho”, contou.
O trabalho também considera às territorialidades existentes e incentiva às atividades econômicas e culturais locais. A autora explica que em um trecho, há a proposta de redesenho da praça matriz da cidade, que guarda a memória de uma das primeiras edificações em terra firme e a otimização do atual porto flutuante, que encontra-se subutilizado. “A proposta de uma feira pública, com apoio às atividades econômicas locais, e um centro comunitário para fortalecimento de laços sociais. No trecho, ao meio do rio, propõem-se equipamentos de esporte e lazer flutuantes, dada a evidente demanda local por espaços públicos multiuso que permitam a prática de atividades físicas. À margem oposta da cidade de terra firme, propomos as chamadas "estações de plantio" flutuantes, que permitem o plantio e consumo ao longo de todo o ano, independente do nível das águas, de alimentos vegetais já consumidos localmente”, relatou Nicoly.
O professor Rodrigo Capelato destacou que o trabalho de Nicoly aborda um dilema comum à maioria das cidades do interior do Amazonas e da região amazônica: a relação com a borda. Segundo o deocente, muitos núcleos urbanos têm suas principais atividades concentradas à beira dos rios e enfrentam dificuldades de acesso por outros meios que não o transporte fluvial, o que torna essa relação ainda mais determinante para o modo de vida local.
“O trabalho propõe uma possível solução para essa questão, particularmente no caso de Tapauá (AM). Desde quando Nicoly me apresentou a pesquisa, ainda como estudante, demonstrou disposição e sensibilidade para refletir sobre os desafios da cidade, o que me motivou, como orientador, a me envolver com os problemas ali existentes. Tapauá vive hoje um sério processo de segregação na sua borda: são dois mundos e duas experiências de morar e viver dentro de uma mesma cidade, separados por uma relação espacial que ainda não foi resolvida. Acredito que, ao compreender esse dilema na paisagem de Tapauá, a proposta da Nicoly surge como uma possível resposta. Não que seja a única, mas, a partir da análise que ela realizou sobre o funcionamento urbano, o projeto apresenta uma série de pequenos ajustes que ajudam a recompor e costurar a dinâmica da cidade”, concluiu o docente.
Sobre o Prêmio
O Prêmio Rosa Kliass é um Concurso Universitário Nacional, promovido anualmente pela Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas (ABAP) como parte integrante de ações de valorização do campo profissional da Arquitetura da Paisagem. Este concurso homenageia a arquiteta e urbanista Rosa Grena Kliass, valorizando seu papel pioneiro ao fundar a ABAP em 1976 e reconhecendo seu protagonismo na atuação profissional na área de projeto e planejamento da paisagem. A premiação teve sua primeira edição realizada em 2017 e a cada ano vem se consolidando como referência para impulsionar a carreira de jovens profissionais e distinguir professores e instituições de ensino no Brasil.
A nona edição teve participação dos formandos que desenvolveram seu trabalho final de graduação com temas de Arquitetura da Paisagem. A exigência é que o participante também tenha concluído integralmente e sem pendências o curso de Arquitetura e Urbanismo no ano letivo de 2024, mesmo que graduado no ano de 2025, em cursos brasileiros devidamente autorizados pelo Ministério da Educação (MEC).
Redes Sociais